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27/04/2024
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Não há espaço para a arquitetura cordial

Posted by Fred Rangel
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24
jul

Julho/2012 – Valor On Line

O arquiteto Jorge Wilheim, 84 anos, começou a carreira estagiando no Rino Levi Arquitetos, um dos escritórios responsáveis por importantes alterações na paisagem de São Paulo. “Calcular diagramas de insolação foi a primeira coisa que aprendi”, conta o urbanista que ocupou mais de uma vez a pasta do Planejamento do município e do Estado
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O código de obras dizia que os prédios daquela época, de 10, 15 andares, não podiam jogar mais do que uma hora de sombra no vizinho. “Agora vivo em uma casa, em Perdizes, e, ao lado, há um prédio de 25 andares. Não tenho mais sol à tarde, só um pouco nos quartos, no fim da manhã”, conta. Não há mais espaço para arquitetura cordial nas cidades brasileiras.

Em São Paulo, basta olhar em volta, entre um congestionamento e outro, para perceber: pequenos sobrados vão ao chão em questão de dias e novos edifícios despontam no lugar como cogumelos. Na Vila Madalena, que há 25 anos era reduto de estudantes e professores universitários, e depois atraiu lojas modernas, restaurantes simpáticos e bares lotados, a proliferação de tapumes é impressionante. “Mais gente, no mesmo terreno, não é a questão”, surpreende Wilheim, para quem bairro bom é o que tem diversidade.

Drama vivido por paulistanos pode se reproduzir pelo Brasil.
Adensamento pode justificar o pequeno comércio de abastecimento, a padaria, o cabeleireiro, a farmácia, o mecânico e a butique da tia, que sobrevivem nas casas que sobram, apertadas entre prédios. “Ruim é quando essa gente se faz acompanhar de seu automóvel”, completa. É o começo do pandemônio. Onde antes havia uma casinha, uma família e um carro, agora há 40 apartamentos empilhados e 80 automóveis saindo do mesmo lugar, na mesma rua de 14 metros de largura. Não precisa ser gênio da prancheta para entender que não cabe.

O drama dos paulistanos pode se reproduzir pelo Brasil. Dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), indicam que o investimento em operações contratadas com recursos da poupança se multiplicou por 40 em dez anos. O enorme aumento do crédito, a expansão econômica e a abertura do capital de empresas do setor provocaram uma explosão na produção imobiliária no país. “O que precisamos é planejar o processo de transformação das cidades”, recomenda o urbanista Nabil Bonduki.

Em São Paulo, Wilheim acredita que não há como esperar por mais metrô ou corredores de ônibus – as ações terão que ser simultâneas. Talvez não seja preciso ser tão radical quanto em Cingapura, onde só rico tem carro – quem compra um automóvel tem que adquirir também uma licença de circulação, tão cara quanto o veículo. Mas talvez as caçambas de entulho terão que ficar dentro dos edifícios, as garagens nos prédios serão menores, os estacionamentos, muito caros.

As transformações em São Paulo não são apenas verticais, não são privilégio paulistano e nem atingem somente a classe média. Tendência frequente nos centros urbanos do mundo é a “gentrification”, palavrão que vem de “gentry”, ou “bem-nascidos”. Por esse fenômeno, bairros populares passam por forte intervenção urbana, tornam-se muito valorizados e atraem gente de maior poder aquisitivo. São processos que podem ser excludentes e criar áreas elitizadas. Os moradores tradicionais não conseguem mais pagar os novos aluguéis e têm que migrar para zonas distantes.

Movimentos espontâneos de moradores têm pipocado em bairros de classe média de São Paulo como resistência à verticalização da cidade. São cidadãos da Vila Mariana, da Aclimação, de Pompeia, de Perdizes, da Vila Madalena, da Lapa, que vêm se articulando nas redes sociais e procurando bloquear a demolição de antigas casas, requisitando áreas verdes, brigando com as construtoras.

A face mais abrutalhada das metamorfoses urbanas – e que infelizmente algumas cidades brasileiras conhecem bem – é aquela que afasta dos olhos o que é pobre, feio e caótico. O Brasil tem vários registros de “higienização” de áreas. Esse é um vexame que, se ocorrer, dificilmente passará despercebido durante a Olimpíada e a Copa do Mundo.

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